Tertúlia “A arte da Revolução”

O dia 25 de Abril de 1974 não marca apenas o fim de um regime autoritário e a emergência da democracia em Portugal. Não só no campo político, mas em todas as dimensões da sociedade e do indivíduo, se fez sentir a mudança, inclusivamente na forma como passaram a ser expressas as emoções, os anseios e os sonhos de todos e de cada um. Da opressão à liberdade, esta foi também uma revolução cultural.

Assim, a primeira tertúlia do projecto 40 25s – Abril no Algarve, realizada no passado dia 23 de Abril, na Casa Manuel Teixeira Gomes, em Portimão teve a criação artística a nortear a conversa. Dois homens pluridimensionais que viveram a Revolução e o período pós-revolucionário por dentro, enfim, dois construtores de Abril – Franco Charais e Fernando Reis Luís – sentaram-se à mesa, onde foi servido o mote do dia: “A Arte da Revolução”.

Militar de Abril e um dos responsáveis pelo programa do Movimento das Forças Armadas, o tenente-general Franco Charais, com a legitimidade de um dos protagonistas da Revolução, começou por esclarecer a identidade do 25 de Abril de 1974 – não um mero golpe militar, mas sim uma revolução à qual o povo aderiu quase de imediato. As forças armadas despoletaram Abril mas foi o povo que o construiu. Franco Charais recordou como decorreram os principais acontecimentos desse dia, bem como o processo pós-revolucionário. Uma memória que o tenente-general não tem cessado de reavivar através de dois livros publicados (O Acaso e a História. Vivências de um Militar e História Viva: 25 de Abril, golpe militar ou revolução?), mas também da sua obra artística.

A luta pela liberdade também inspirou a poesia Fernando Reis Luís, natural de Monchique e deputado da Assembleia da República durante o período pós-revolucionário – uma inspiração patente, em especial, no seu livro Teia. Fernando Reis Luís recordou igualmente esse dia de incertezas mas também de expectativas, sublinhando o papel desempenhado por homens de letras como António Ramos Rosa ou Saul Dias, na sensibilização do povo para a urgência de uma mudança.

Escrever na opressão e escrever em liberdade são dois processos distintos. E esta é uma diferença que se reflecte em toda a arte, enquanto expressão do mundo que a rodeia. Como citou Franco Charais: “A Arte é uma expressão de impressões”. Sendo assim, a Arte é tudo. Na sua última exposição, patente na Pastelaria Arade, Franco Charais aborda os anseios da sociedade portuguesa actual – a austeridade, a “saída limpa”, a opressão exercida sobre o povo pelo poder económico –, traçando o retrato de um Portugal 40 anos depois da Revolução mas que ainda não conseguiu cumprir Abril, não só no plano social e político, mas também ao nível cultural. Construíram-se infraestruturas culturais mas esqueceram-se os homens. O trabalho dos artistas e escritores é hoje insuficientemente valorizado.

Estes são tempos bem diferentes dos vividos em 1974. Desde então, outras “revoluções” mudaram a forma de pensar dos portugueses. Franco Charais considera que a grande mudança cultural vivida em Portugal (e no Mundo) nestes últimos 40 anos se deveu às novas possibilidades de comunicação e de divulgação potenciadas pela Internet. “A Internet é uma espécie de 25 de Abril em termos culturais”, concordou Fernando Reis Luís, acrescentando que as novas formas de comunicação possibilitaram a descoberta de escritores e artistas que, doutra forma, dificilmente seriam conhecidos do público.

Mas a valorização da cultura não se esgota nas potencialidades dos novos meios tecnológicos. Passa, sobretudo, por uma presença mais determinante nos órgãos de decisão política. Fernando Reis Luís recordou como a primeira assembleia constituinte era composta por um número significativo de homens e mulheres da cultura e das artes – um cenário bem diferente do que hoje se presencia nos bancos no Parlamento. A Arte e a Política têm-se afastado progressivamente, o que contradiz, no seu cerne, a herança de Abril. Mas tal não significa que a Revolução esteja esquecida. Antes pelo contrário, é sinal de que Abril ainda está por construir. E foi com esta esperança que a primeira tertúlia do projecto 40 25s – Abril no Algarve chegou ao seu termo.

Em breve, a Revolução voltará à mesa.

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