Recortes de imprensa

«A Liberdade é a morte dos opressores ou o despertar dos algarvios para a causa comum

Aproveitando o último fim-de-semana alongado, deslocámo-nos ao Algarve, que não víamos desde Setembro passado. Do Vascão até Castro Marim a paisagem pouco se modificou, uma vez que se mantém quase tudo na mesma, isto é, os montes vão-se sucedendo com a mesma carência de vegetação, apenas contrariada nas zonas baixas das ribeiras de Odeleite e do Beliche, até porque a arborização de parte da freguesia de Odeleite, encetada há poucos anos, em regime florestal, é apenas uma promessa que desejamos ver alargada a toda a serra algarvia, também ela vilmente desprezada por quem dizia defender os interesses de tantos por lá mourejam o pão de cada dia.

Na verdade, é a partir de Castro Marim, a velha Baesuris dos romanos, onde nascemos e passámos alguns dos melhores anos da nossa infância, que sentimos que outro Algarve está a nascer, não no ritmo de construções, que esse, infelizmente, é quase o mesmo de há trinta anos para cá, mas na quantidade dos escritos que pudemos ler nas paredes de muros e edifícios, ao longo do trajecto percorrido.

A nossa surpresa foi tanto maior quanto nos lembrávamos de, crianças ainda, termos tido acesso, por intermédio de um vizinho, graduado legionário já falecido, à propaganda nazi que, diga-se em abono da verdade, extasiou quem, como nós, ensaiava as primeiras letras e não tinha tido qualquer outros contacto com livros ilustrados. Embora tais factos se tivessem passado há trinta anos, temos bem presente a influência exercida por esse vizinho e outros, alguns ainda vivos, numa população constituída na sua maioria por analfabetos.

Depois do 25 de Abril, as palavras e os anseios há tanto silenciados irrompem através da escrita, onde se expressam algumas justíssimas reivindicações, de várias localidades, cujos habitantes foram sempre tratados pelo anterior regime com o maior desprezo e cinismo.

No entanto, não é só através das muitas frases escritas em locais bem visíveis e em que se ataca o regime fascista deposto e muitos dos seus mais fiéis serventuários, que a paisagem algarvia mudou. É que, do contacto estabelecido com muita gente mais ou menos conhecida, ficámos com a impressão de que, agora, as pessoas estão dispostas a debater os problemas que as afectam, nunca mais deixando para outros o encargo de o fazerem, só porque alguém se lembrou de os indicar como seu representantes, sem nunca se ter preocupado em proporcionar-lhes meios de discutirem tal representatividade com o mínimo de liberdade.

Num breve passeio que demos na zona do sotavento, muitas foram as frases escritas que vislumbrámos, mas foi em Loulé que vimos as que mais nos impressionaram. De todas elas não resistimos à tentação de reproduzir uma que, com letras pretas, de imprensa, estava escrita na Câmara Municipal louletana e com a qual finalizamos este apontamento: «A morte foi sempre o alívio dos oprimidos mas a liberdade é a morte dos opressores».

J. A. Molarinho Jacinto

In Jornal do Algarve, n.º 899, 15 Junho 1974

Deixe um comentário

Filed under Uncategorized

Deixe um comentário