Recortes de imprensa

A tarefa de consciencializar

Sem dúvida, estamos a viver, em matéria política, o momento mais efervescente que se conhece no País. Prevê-se já que nada vai deter a expansão oratória dos partidos e que vai ser uma autêntica luta de tribuna para ocupar os primeiros lugares na Governação. Ainda longe de qualquer confrontação, já que se apontam direcções para optar sem perda de tempo, de modo a evitar surpresas de irremediáveis consequências, com é legítimo concluir. Mas até lá muito há que fazer para tornar possível a realização de uma acto eleitoral livre e consciente, para o que é necessário decidir com justiça e trabalhar com honestidade. As eleições que se vão efectuar não são apenas uma demonstração de cidadania de um povo, mas a força da sua razão para escolher a política que mais convenha ao seu bem-estar e à posição de Portugal no conceito das nações estrangeiras, como País digno de se sentar à mesa das mais civilizadas.

Depois do enorme trabalho de recensear todos os portugueses em condições morais e políticas de exercerem o direito de voto, paralelamente é imprescindível informar os menos esclarecidos da atribuição e valor do acto que são chamados a livremente exercer. O trabalho de informação é de suma transcendência para a consciencialização dos eleitores e, diga-se de passagem, não é tarefa fácil.

Não falta quem saiba o que deve ser esclarecido aos indivíduos de ambos os sexos para ficarem habilitados a ir às urnas deitar o seu voto. Talvez falte, ou falta mesmo, quem possuam a linguagem própria para se fazerem perceber por uma elevada percentagem de portugueses que, pela primeira vez, vão tomar parte numas eleições verdadeiramente livres. Mas não basta que se vá votar livremente. É antes de tudo necessário ter adquirido as condições mínimas para estabelecer a sua opção consciente, para não ir deitar o voto arregimentado, como de resto tem sido hábito na nossa terra com pouca, muita ou nenhuma liberdade. Ora, é isso mesmo que se deve procurar por todos os meios evitar se queremos que a vontade do povo traduza o que ele precisa e deseja realmente.

Importa. por isso, desenvolver uma intensa campanha de esclarecimento junto das camadas iletradas, mas na sua própria linguagem, para que elas entendam o que lhes querem dizer claramente. Esse povo menos esclarecido, ajudado nas suas pretensões, mas em termos simples, perfeitamente acessíveis à sua capacidade de compreensão. Falar a um auditório duma aldeia transmontana não é a mesma coisa do que falar à assistência do Pavilhão dos Desportos, por exemplo. Só depois de devidamente informado de que o estado quer igualmente o seu bem-estar como as habitantes dos meios populosos e beneficiados, ele compreenderá o que é a liberdade, a política e as suas doutrinas.

Ninguém deverá ter a menor dúvida de que o resultado da consulta às urnas em Março de 1975, em condições normais, vai depender das condições de esclarecimento em que se encontrarem as grandes massas populacionais menos favorecidas de conhecimentos próprios. Também aqui, para se colher, é preciso semear na devida oportunidade, mas antes, porém, é fundamentar preparar a terra para lançar a semente.

Joaquim António Nunes

in Correio do Sul, n.º 2914 (5 Dezembro 1975)

 

 

 

 

 

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Tertúlia “A arte da Revolução”

O dia 25 de Abril de 1974 não marca apenas o fim de um regime autoritário e a emergência da democracia em Portugal. Não só no campo político, mas em todas as dimensões da sociedade e do indivíduo, se fez sentir a mudança, inclusivamente na forma como passaram a ser expressas as emoções, os anseios e os sonhos de todos e de cada um. Da opressão à liberdade, esta foi também uma revolução cultural.

Assim, a primeira tertúlia do projecto 40 25s – Abril no Algarve, realizada no passado dia 23 de Abril, na Casa Manuel Teixeira Gomes, em Portimão teve a criação artística a nortear a conversa. Dois homens pluridimensionais que viveram a Revolução e o período pós-revolucionário por dentro, enfim, dois construtores de Abril – Franco Charais e Fernando Reis Luís – sentaram-se à mesa, onde foi servido o mote do dia: “A Arte da Revolução”.

Militar de Abril e um dos responsáveis pelo programa do Movimento das Forças Armadas, o tenente-general Franco Charais, com a legitimidade de um dos protagonistas da Revolução, começou por esclarecer a identidade do 25 de Abril de 1974 – não um mero golpe militar, mas sim uma revolução à qual o povo aderiu quase de imediato. As forças armadas despoletaram Abril mas foi o povo que o construiu. Franco Charais recordou como decorreram os principais acontecimentos desse dia, bem como o processo pós-revolucionário. Uma memória que o tenente-general não tem cessado de reavivar através de dois livros publicados (O Acaso e a História. Vivências de um Militar e História Viva: 25 de Abril, golpe militar ou revolução?), mas também da sua obra artística.

A luta pela liberdade também inspirou a poesia Fernando Reis Luís, natural de Monchique e deputado da Assembleia da República durante o período pós-revolucionário – uma inspiração patente, em especial, no seu livro Teia. Fernando Reis Luís recordou igualmente esse dia de incertezas mas também de expectativas, sublinhando o papel desempenhado por homens de letras como António Ramos Rosa ou Saul Dias, na sensibilização do povo para a urgência de uma mudança.

Escrever na opressão e escrever em liberdade são dois processos distintos. E esta é uma diferença que se reflecte em toda a arte, enquanto expressão do mundo que a rodeia. Como citou Franco Charais: “A Arte é uma expressão de impressões”. Sendo assim, a Arte é tudo. Na sua última exposição, patente na Pastelaria Arade, Franco Charais aborda os anseios da sociedade portuguesa actual – a austeridade, a “saída limpa”, a opressão exercida sobre o povo pelo poder económico –, traçando o retrato de um Portugal 40 anos depois da Revolução mas que ainda não conseguiu cumprir Abril, não só no plano social e político, mas também ao nível cultural. Construíram-se infraestruturas culturais mas esqueceram-se os homens. O trabalho dos artistas e escritores é hoje insuficientemente valorizado.

Estes são tempos bem diferentes dos vividos em 1974. Desde então, outras “revoluções” mudaram a forma de pensar dos portugueses. Franco Charais considera que a grande mudança cultural vivida em Portugal (e no Mundo) nestes últimos 40 anos se deveu às novas possibilidades de comunicação e de divulgação potenciadas pela Internet. “A Internet é uma espécie de 25 de Abril em termos culturais”, concordou Fernando Reis Luís, acrescentando que as novas formas de comunicação possibilitaram a descoberta de escritores e artistas que, doutra forma, dificilmente seriam conhecidos do público.

Mas a valorização da cultura não se esgota nas potencialidades dos novos meios tecnológicos. Passa, sobretudo, por uma presença mais determinante nos órgãos de decisão política. Fernando Reis Luís recordou como a primeira assembleia constituinte era composta por um número significativo de homens e mulheres da cultura e das artes – um cenário bem diferente do que hoje se presencia nos bancos no Parlamento. A Arte e a Política têm-se afastado progressivamente, o que contradiz, no seu cerne, a herança de Abril. Mas tal não significa que a Revolução esteja esquecida. Antes pelo contrário, é sinal de que Abril ainda está por construir. E foi com esta esperança que a primeira tertúlia do projecto 40 25s – Abril no Algarve chegou ao seu termo.

Em breve, a Revolução voltará à mesa.

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Retratos de Abril

25_abril_lagos

Fonte: autor desconhecido

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Recortes de imprensa

«A Liberdade é a morte dos opressores ou o despertar dos algarvios para a causa comum

Aproveitando o último fim-de-semana alongado, deslocámo-nos ao Algarve, que não víamos desde Setembro passado. Do Vascão até Castro Marim a paisagem pouco se modificou, uma vez que se mantém quase tudo na mesma, isto é, os montes vão-se sucedendo com a mesma carência de vegetação, apenas contrariada nas zonas baixas das ribeiras de Odeleite e do Beliche, até porque a arborização de parte da freguesia de Odeleite, encetada há poucos anos, em regime florestal, é apenas uma promessa que desejamos ver alargada a toda a serra algarvia, também ela vilmente desprezada por quem dizia defender os interesses de tantos por lá mourejam o pão de cada dia.

Na verdade, é a partir de Castro Marim, a velha Baesuris dos romanos, onde nascemos e passámos alguns dos melhores anos da nossa infância, que sentimos que outro Algarve está a nascer, não no ritmo de construções, que esse, infelizmente, é quase o mesmo de há trinta anos para cá, mas na quantidade dos escritos que pudemos ler nas paredes de muros e edifícios, ao longo do trajecto percorrido.

A nossa surpresa foi tanto maior quanto nos lembrávamos de, crianças ainda, termos tido acesso, por intermédio de um vizinho, graduado legionário já falecido, à propaganda nazi que, diga-se em abono da verdade, extasiou quem, como nós, ensaiava as primeiras letras e não tinha tido qualquer outros contacto com livros ilustrados. Embora tais factos se tivessem passado há trinta anos, temos bem presente a influência exercida por esse vizinho e outros, alguns ainda vivos, numa população constituída na sua maioria por analfabetos.

Depois do 25 de Abril, as palavras e os anseios há tanto silenciados irrompem através da escrita, onde se expressam algumas justíssimas reivindicações, de várias localidades, cujos habitantes foram sempre tratados pelo anterior regime com o maior desprezo e cinismo.

No entanto, não é só através das muitas frases escritas em locais bem visíveis e em que se ataca o regime fascista deposto e muitos dos seus mais fiéis serventuários, que a paisagem algarvia mudou. É que, do contacto estabelecido com muita gente mais ou menos conhecida, ficámos com a impressão de que, agora, as pessoas estão dispostas a debater os problemas que as afectam, nunca mais deixando para outros o encargo de o fazerem, só porque alguém se lembrou de os indicar como seu representantes, sem nunca se ter preocupado em proporcionar-lhes meios de discutirem tal representatividade com o mínimo de liberdade.

Num breve passeio que demos na zona do sotavento, muitas foram as frases escritas que vislumbrámos, mas foi em Loulé que vimos as que mais nos impressionaram. De todas elas não resistimos à tentação de reproduzir uma que, com letras pretas, de imprensa, estava escrita na Câmara Municipal louletana e com a qual finalizamos este apontamento: «A morte foi sempre o alívio dos oprimidos mas a liberdade é a morte dos opressores».

J. A. Molarinho Jacinto

In Jornal do Algarve, n.º 899, 15 Junho 1974

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Retratos de Abril

Maria_Barroso_1974

Maria Barroso a discursar num comício do PS em Portimão, no verão de 1974. Fonte: revista Caras.

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Abril 23, 2014 · 10:06 am

40 25s de Abril no Algarve – apresentação do projecto

Este projecto tem como principal objectivo divulgar e fomentar uma reflexão acerca das memórias e das heranças do 25 de Abril de 1974 a nível local no Algarve.

Trata-se de um projecto que nasceu de uma parceria da Teia D’Impulsos com a Editora Arandis para a publicação de uma obra que seja uma colecção de testemunhos sobre o 25 de Abril, reunindo palavras de 25 políticos, 4 militares, 74 cidadãos que viveram este dia e de 40 cidadãos das gerações pós 25 de Abril. Esta publicação será o culminar do projecto e será lançada em 2015.

Esta iniciativa pretende assinalar condignamente os quarenta anos passados sobre a Revolução dos Cravos na região Algarvia. Nesse âmbito, A Teia D’Impulsos, que tem entre os seus desígnios, justamente, a implementação dos valores de dignidade e cidadania participativa conquistados em Abril de 1974, convida um conjunto de diferentes personalidades da sociedade civil, naturais da região, ou com especial ligação afectiva ao Algarve, a escreverem um testemunho sobre a experiência vivida e expectativas criadas com o 25 de Abril.

Fazendo jus aos números do calendário (25-4-74) e ao quadragésimo aniversário do  acontecimento, a edição de uma futura publicação prevê a inclusão dos testemunhos de vinte e cinco políticos, quatro militares, setenta cidadãos nascidos antes e quarenta cidadãos nascidos no pós-revolução. Mais do que uma compilação de depoimentos na primeira pessoa, indicando onde é que cada um dos relatores se encontrava à data do Golpe de Estado, a publicação de um livro alusivo à comemoração da efeméride na região do Algarve ambiciona ser um repositório físico de histórias, de memórias, de expectativas e de sonhos amanhecidos na madrugada que esperávamos.

Quatro décadas depois de Abril, numa época em que se conhecem profundas transformações no território e na sociedade, a associação Teia D’Impulsos preenche assim uma lacuna sobre o modo como os algarvios olham para um dos dias mais importantes da história contemporânea do país. É dada, pois, primazia à palavra escrita neste conjunto de depoimentos. Para que, conforme nos ensinaram os valores da liberdade, democracia participativa e igualdade de oportunidades que a Primavera de Abril nos deu e que a actualidade dos tempos parece querer contrariar, o poder rememorativo da palavra continue, pelos caminhos do futuro, a questionar a palavra esquecida do poder.

 

INÍCIO DO PROJECTO: 23 de Abril de 2014

FINAL DO PROJECTO: 25 de Abril de 2015 – lançamento oficial de publicação com os depoimentos.

ÁREA DE INFLUÊNCIA DO PROJECTO: Região do Algarve

 

ACÇÕES A DESENVOLVER:

Para se atingir o ponto alto do projecto, este vai alimentar-se de outras vertentes, nomeadamente:

– Criação de um Blog e de uma página de Facebook para a divulgação dos testemunhos e conteúdos do projecto, notícias da época, resenhas históricas, etc. Estas ferramentas serão apresentadas no âmbito das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril e serão frequentemente actualizadas com novos conteúdos ao longo do ano.

– Criação de uma caixa de Correio Electrónico aberta a todos os que queiram colaborar no projecto com a partilha dos seus próprios testemunhos pessoais.

– Organização e divulgação ao longo do ano de 2014 de 3 a 4 tertúlias temáticas. A primeira delas, intitulada “A Arte da Revolução”, integra o programa das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril em Portimão e marca o lançamento do projecto. Vai decorrer no dia 23 de Abril na Casa Manuel Teixeira Gomes.

– Fruto da pareceria com a Rádio Costa D’Oiro, dinamização de espaços de rádio temáticos onde sejam divulgados os conteúdos do projecto, bem como alguns dos testemunhos recolhidos. Numa primeira fase estes espaços temáticos vão decorrer dentro do programa Impulso, o espaço semanal da responsabilidade da Teia D’Impulsos na grelha de programação da Rádio Costa D’Oiro (5ªF 20h – 22h, reposição ao Sábado 11h – 13h).

 

Estrutura do texto dos depoimentos:

– Aproximadamente 3500 caracteres (incluindo espaços).

– Identificação dos responsáveis pelos depoimentos;

– Questões a abordar: experiências, expectativas, frustrações, reflexões sobre a simbologia da data, idade no 25 de Abril de 1974 e idade actual, profissão no 25 de Abril e profissão actual, fotografias, etc..

Endereço de correio electrónico para envio do seu depoimento:

quarentavintecincos@gmail.com

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